domingo, 5 de julho de 2009

O Fiumicino

O aeroporto Fiumicino parecia não ter fim. Deveriam ser três horas da tarde quando o avião pousou. Eu não sabia com clareza as horas; tudo naquele dia parecia meio nebuloso, sonolento e duvidoso. Quando a fala da comissária italiana anunciou o pouso dei-me conta que a vida nova desejada iria agora começar para valer. Peguei a bolsa que estava no meu colo, olhei-me no espelho e dei-me conta da apreensão que me dominava.
O blazer marrom estava amarrotado depois, de onze horas de viagem do Rio de Janeiro a Roma. Resolvi trocá-lo por uma jaqueta jeans. A fumaça de cigarros presa no avião deixou-me com o rosto amassado de espirrar. Comparei-me com a vizinha de poltrona que havia descido em Milão e vi-me em franca desvantagem: a moça era o protótipo da elegância milanesa. Não havia dúvida que sua cashemere cor de rosa era legítima e o corte impecável da saia acompanhada de botas de pelica davam-lhe um refinamento e segurança que contrastava totalmente com a minha expressão insegura e desamparada.
Deixei que os outros passageiros descessem, enquanto rezei agradecida reacendendo a esperança que me movia em busca do desconhecido. Acredito que meu rosto era uma interrogação só. Segui atenta o movimento dos demais passageiros. Até chegar a imigração parecia que tudo seria muito simples. Sabia que meu italiano recente não me habilitaria a uma comunicação fluente, mas acreditava que me safaria de qualquer dificuldade.
Meus olhos eram insuficientes para captar todas as informações. Queria ler todos os letreiros e ouvir tudo a minha volta. Espantei-me quando chegou a minha vez de entregar a ficha preenchida e o passaporte para o funcionário. Congelei com o olhar desconfiado que ele me lançou. Parecia desacreditar que eu estaria ali como estudante, conforme afirmei. Fez as perguntas confirmando os dados do documento, procurei responder com segurança, mas acho que não convenci. Logo fui informada que precisaria confirmar com a policia do aeroporto o que havia dito. Assustei-me, pois havia percebido que todas as pessoas que eram encaminhadas à policia tinha um certo ar de tudo ou nada. Pareciam aventureiros em busca da última chance. Eu não tinha nada em comum com esse pessoal. Senti-me atingida por um soco quando na primeira pergunta do policial percebi a carga de sarcasmo, quando indagou sobre o que eu iria realmente fazer na Itália. Ao responder que iria estudar, ele demonstrou total incredulidade comecei a tremer os lábios. Já estava quase chorando quando alguém ordenou-me que mostrasse o dinheiro disponível para a minha manutenção. Desconfiada, mostrei-lhes, aproximadamente, um terço do que levara, o que agravaou mais ainda a situação. O policial, prontamente, retrucou que aquela quantia reafirmava a certeza que eu estava ali por outro motivo: trabalho clandestino. Obviamente, meu perfil de magreza e pele branca não lembrava as exuberantes brasileiras que invadiram o país para oferecer suas ousadias eróticas. Minha formação de pedagoga, acredito que me habilitaram a uma provável babá. Eu negava e insistia em explicar que seria recebida por um casal de amigos italianos que me dariam total apoio, com alimentação e moradia. O policial se convencia do contrário e reagia mais sarcático, sem perceber, comecei a falar agressivamente, e só calei quando ouvi a ameaça de prisão por desacato à autoridade. Entendi com clareza a ameça e contive-me já chorando... pensei magoada comigo mesma: -Então isso é chegar à Itália?!

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